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22 de setembro de 2020

Por que, “ainda”, não aqui? – Uma análise do patrocínio nas camisas dos principais clubes da América Latina em 2020

Por José Colagrossi, diretor do IBOPE Repucom

Em 2018 lançamos o artigo “Por que não aqui?” um levantamento inédito das marcas globais ou com relevância continental que investiam em patrocínio no futebol em toda América Latina mas que, por diversas razões, não o faziam no Brasil. Fomos verdadeiramente surpreendidos com a quantidade de marcas com presença consolidada no mercado brasileiro que patrocinavam futebol em países como Colômbia, Argentina, Peru e Paraguai, mas não por aqui. E fomos atrás das razões.

 

Passados dois anos e vivendo um momento completamente diferente de reconstrução dos impactos da pandemia do coronavírus, lançamos a versão 2020 do estudo para analisar se houve avanços significativos na diversificação de marcas e setores e na entrada de patrocinadores globais no patrocínio esportivo no mercado brasileiro.

 

Vamos aos fatos: o cenário em 2020 é de estabilidade quanto à situação reportada há dois anos. De maneira geral, na comparação com os principais mercados da América Latina notamos que os países da região (Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e México) seguem com uma maior diversificação de patrocinadores de camisa, assim como a presença mais relevante de marcas globais em comparação ao futebol brasileiro.

 

Ou seja, pouco mudou!

 

1 – O Setor Financeiro foi o que mais se desenvolveu na América Latina: se tornou o líder em volume de patrocínios, tendo bancos de relevância nacional, como o Ciudad, Municipal, Pichincha, Guayaquil, Vision, como também empresas do segmento de seguros, carteiras digitais, crédito, etc.

 

2 – Empresas de Telecomunicação compõem o segundo setor com o maior volume de patrocínios na região, com conglomerados como Antel (Uruguai), Movistar (Chile), DIRECTV (Chile), Tigo (Paraguai, Bolívia, Colômbia), Telcel (México), AT&T (México). No Brasil, temos somente a TIM e Algar investindo nos clubes de futebol, mesmo assim modestamente.

 

3 – O setor de Companhias Aéreas evoluiu na região em volume de patrocínios, sobretudo na Argentina, que passou de um para três clubes que estampam marcas de companhias internacionais nos uniformes das equipes da Primera División (Qatar Airways, Turkish Airlines e Air Europa). Embora as três companhias aéreas tenham voos regulares para o Brasil, e nosso mercado seja maior e mais atrativo, nenhuma marca deste segmento passou a investir nos clubes brasileiros.

 

4 – O segmento de Eletrodomésticos iniciou um movimento tímido de entrada com Midea no Corinthians e Philco no Santos e no Goiás. Assim como o setor Farmacêutico com Forteviron no Sport  e recentemente a Neo Química com o patrocínio da Arena corintiana. Já o setor de Bebidas Alcoólicas, que tradicionalmente patrocina equipes em diversos países da região, atua no Brasil com patrocínios em outras frentes que não o uniforme por questões legais.

 

5 – Outro movimento relevante observado em diversos mercados da região foi a entrada de patrocinadores  do segmento de apostas esportivas, com uma verdadeira explosão no volume de empresas do tipo. Além do Brasil, estão presentes nas camisas dos principais clubes de Bolívia, Colômbia, México, Paraguai e Peru. Destaques a Wplay.co (Colômbia) e Caliente (México), que estão presentes na maioria dos principais clubes do país. Na Colômbia também temos a BetPlay como detentora dos naming rights da liga nacional.

 

6 – ATUAM LÁ, MAS NÃO AQUI > Outras marcas com relevância global e de segmentos de destaque que não atuam no Brasil (em patrocínio de uniforme):

 

  • BEBIDAS NÃO ALCOÓLICAS: Coca-Cola, Pepsi e Gatorade
  • AUTOMOTIVO: Chevrolet, Fiat, Nissan, Suzuki, Chery, SsangYong, Morris Garages e Mobil
  • ­COMPANHIAS AÉREAS: Qatar Airways, Turkish Airlines, Air Europa e Aeroméxico
  • SUPLEMENTO ALIMENTAR: Herbalife
  • ALIMENTAÇÃO: McDonald’s e KFC
  • CASA E CONSTRUÇÃO: Sodimac
  • (Novo) BENS DE CONSUMO PESSOAL: Gillette e Avon
  • (Novo) LABORATÓRIOS: Bagó
  • (Novo) SIDERURGIA: ArcelorMittal

 

7 – ATUAM AQUI, MAS NÃO LÁ > O mercado brasileiro possui suas peculiaridades com patrocinadores que não atuam nos demais países da América Latina como:

  • CONSTRUTORA: MRV e WB
  • TELECOMUNICAÇÃO: TIM

Passados dois anos, infelizmente, as mesmas perguntas que não queriam se calar em 2018 permanecem atuais:

 

– Por que marcas tão importantes no país, como Coca Cola, McDonald’s, Pepsi, Fiat e Gillete, apenas para citar algumas, investem no futebol de outros países latino-americanos, mas não no Brasil?

 

– Por que algumas destas marcas investiram no futebol brasileiro no passado, como Coca Cola e Pepsi saíram e nunca mais voltaram?

 

– O que o futebol destes países oferece a esses patrocinadores que o nosso futebol não oferece?

 

Em 2018 tive, pessoalmente, dezenas de conversas com patrocinadores, e entendi que as razões eram muitas e diferentes, além de não serem comuns a todos. Naquele momento, os motivos mais frequentes eram:  o legado de arrogância dos gestores do esporte vindo de décadas passadas, a falta de profissionalismo, a inflação no preço dos patrocínios que precedeu 2014, e a crise de credibilidade tanto esportiva quanto na gestão do esporte logo após 2014.

 

Passados dois anos, algumas destas razões perderam relevância. Primeiro, a gestão do futebol brasileiro continua evoluindo, embora não uniformemente. Trabalhamos diretamente com dezenas de clubes nacionais e posso afirmar, sem receio, que o nível de eficiência, transparência e profissionalismo cresce cada ano. Embora ainda seja um processo em curso, a arrogância e prepotência do passado dão lugar à uma atitude mais positiva e realista dos gestores do futebol brasileiro. Entretanto, os resultados desta melhoria na gestão são negativamente impactados pelo enorme legado do passado, como gigantescas dívidas, péssimos contratos, infraestrutura insuficiente e falta de credibilidade com as marcas patrocinadoras. Ou seja, ainda vai demorar um pouco até que o futebol brasileiro finalmente vire a chave.

 

Outro ponto que perdeu relevância foi a inflação no preço dos patrocínios que precedeu a Copa de 2014. Nossas análises regulares mostram que os preços de patrocínio de clube de futebol caíram a quase metade de seu auge, registrado em 2013. Portanto, a noção de que “patrocinar futebol no Brasil é caro demais” não reflete o momento atual do nosso futebol.

 

Mesmo assim, as grandes marcas que estão “lá” ainda não chegaram aqui…

 

Em 2018 afirmei que o fato de tantos patrocinadores importantes investirem no futebol latino-americano e não no brasileiro, era tanto um retrato do estado do nosso futebol, quanto uma excelente oportunidade. Afinal, como líder global em pesquisa em marketing esportivo, sabemos em primeira mão que patrocinar o futebol no Brasil continua sim sendo um ótimo negócio. Entretanto, se investir no futebol brasileiro, principalmente hoje em dia, é um bom negócio, por que essas marcas globais continuam investindo lá mas não aqui?

 

Voltamos a conversar com muitas destas grandes marcas, e o que vimos foi um cenário diferente. Ao contrário de 2018, hoje muitas estão abertas à possibilidade. Enquanto em 2018 patrocinar futebol brasileiro não era visto como uma possibilidade, hoje a maioria das marcas com quem conversei afirma ser possível, se o projeto “fizer sentido”. Fatores como “entrar em campo” e “se apropriar da paixão do futebol” foram citados como “atraentes” para muitas marcas.

 

Mas como efetivamente conquistá-las?

 

Para responder essa pergunta, recorro ao exemplo recente do maior negócio de patrocínio de clube assinado nos últimos cinco anos no Brasil: a Arena Neo Química. Nas últimas semanas, o Corinthians vendeu o Naming Rights de sua arena à empresa farmacêutica Neo Química por 300 milhões de reais por 20 anos. Esta transação foi, realmente, um marco para o futebol brasileiro por vários motivos.

 

Primeiro, aconteceu no momento de maior crise e recessão da história de nosso país. Segundo, foi a primeira vez que uma arena já existente e com um nome (Arena Corinthians) e apelido (Itaquerão)  consolidados tem seus naming rights vendidos. Terceiro, ainda não existe uma cultura consolidada de naming rights no País e algumas emissoras ainda se recusam a chamar as arenas pelo nome de seus patrocinadores.

 

Apesar de tantos desafios, o clube entendeu que para atrair um patrocinador disposto a investir centenas de milhões de reais por 20 anos precisaria ter dados, informações, inteligência comercial e projeção de resultados que mostrassem, claramente, que seria um ótimo investimento para a empresa farmacêutica. Ter as informações e projeções de resultados futuros fez toda a diferença para concretização do negócio. Foram meses de negociações intensas até que os objetivos estivessem alinhados entre as partes. Afinal, seria leviano acreditar que um investimento de patrocínio deste porte e de longo prazo pudesse ser concretizado sem uma complexa e sofisticada negociação entre patrocinador e patrocinado.

 

O sucesso da Arena Neo Química reforça a mensagem ao futebol brasileiro de que venda de patrocínio requer profissionalismo  comercial e financeiro para ter sucesso. Afinal, a época quando se vendia patrocínio com apresentações coloridas e fotos com “Sua Marca Aqui” acabou faz tempo. Infelizmente, muitos ainda insistem neste modelo. Mesmo em 2020 muitos clubes ainda não veem comercial, marketing e comunicação como absolutamente cruciais ao sucesso do clube tanto fora quanto dentro do campo.

 

Minhas conversas com executivos das marcas globais que investem no futebol latino-americano, mas não no brasileiro, mostraram que muitas estão prontas para considerar voltar a investir em nosso futebol. Como expliquei, as condições hoje são muito mais favoráveis do que a de dois anos atrás. Mas, para isso, os clubes precisam oferecer um projeto de patrocínio alinhado com seus objetivos estratégicos e que faça sentido do ponto de vista financeiro. Patrocínio envolve construção de marca e retorno financeiro. Não saber demonstrar que estes objetivos serão atingidos nada mais é do que pedir patrocínio com o pires na mão. A diferença entre sucesso e fracasso está exatamente entre ter um projeto de patrocínio com informações estratégicas, inteligência comercial  e projeções de resultados financeiros futuros ou enviar uma apresentação graficamente impecável que nada mostra a não ser fotos e dados estatísticos do clube. Para isso, clubes tem que ter profissionais preparados municiados de informações estratégicas de seus clubes assim como de mercado.

 

Como escrevi em 2018, patrocínio não se pede, se conquista, e nada melhor do que ter um projeto de patrocínio que efetivamente chame a atenção do patrocinador. Entretanto, a profissionalização da gestão dos clubes precisa ser acompanhada de uma profunda mudança estratégica e filosófica do que deve ser, de verdade, um clube de futebol.

 

Recentemente apresentei a minha visão de como será o clube de futebol de sucesso no ano de 2025, e acredito que este entendimento será fundamental à captura de grandes patrocinadores globais: no mundo digitalizado,  o clube de futebol de sucesso no futuro será uma organização de mídia que tem um time de futebol.  Os maiores clubes do mundo que lidam frequentemente com negociações de patrocínios que envolvem enormes cifras, agem como verdadeiras empresas de mídia, oferecendo um grande volume de geração de conteúdo de extrema qualidade, criando e otimizando novas propriedades comerciais para exposição de marcas. Afinal, todas as interações entre o clube e seus torcedores e patrocinadores acontece no ambiente da mídia, tradicional e digital. Adotar a mentalidade de “ser uma organização de mídia que tem um clube de futebol” além de gerar grande valor para os patrocinadores permite trabalhar melhor com a própria base global de fãs do clube, através de ofertas segmentadas que aumentam a conversão e maximização dos resultados (e valor) do patrocínio.

 

Adoraria que essa ideia fosse minha, mas na verdade esse conceito foi colocado em prática há mais de 10 anos pela Red Bull e mais recentemente pela Heineken. Red Bull, como eles mesmos se apresentam, é uma empresa de mídia que fabrica energético. Heineken é uma empresa de mídia que produz cerveja. Outras organizações, como UEFA e Premier League também incorporaram essa mesma mentalidade.

 

Termino lembrando algumas dicas de como estes projetos de patrocínio devem ser organizados:

1) Patrocínio esportivo não é outdoor ambulante. Futebol é paixão e um dos benefícios mais impactantes do patrocínio em futebol é a apropriação desta paixão pelas marcas. Portanto, torna-se fundamental aproximar as marcas dos torcedores do time. No fundo, o que as marcas querem é tornar os torcedores do time em torcedores da marca.

 

2) Patrocínio esportivo sem ações de ativação fracassam 9 em cada 10 vezes. E não é obrigação exclusiva do patrocinador ativar o patrocínio. O patrocinado tem tanto, senão mais, interesse no sucesso do patrocínio e deve exigir, contratualmente, para que o mesmo seja ativado tanto nas mídias sociais quanto em forma de hospitalidade e experiência. Neste sentido, apresento abaixo as ativações de maior impacto em futebol dos últimos 3 anos.

 

3) Patrocinador é um parceiro e, como toda parceria de sucesso, o clube deve ser se esforçar para que a parceria seja boa para ambos os lados. Coloque-se no lado do patrocinador e se pergunte, o tempo todo, se você estaria satisfeito se fosse o patrocinador. Essa inquietude permanente só gera atitudes positivas.

 

4) Na maioria dos patrocínios esportivos que fracassaram não houve alinhamento prévio das expectativas entre o patrocinador e patrocinado. Por exemplo, “aumentar as vendas” não pode ser um objetivo formal porque depende de uma infinidade de fatores alheios ao patrocínio. Ou “melhorar a imagem da marca” pode ser um objetivo impossível de ser mensurado se não forem feitas pesquisas previamente e posteriormente ao patrocínio para mensurar o impacto. E mesmo assim pode ser que a imagem da marca seja afetada por fatores alheios ao patrocínio. Portanto, torna-se fundamental a definição formal e prévia do que o patrocinador espera do patrocínio e que essa expectativa reúna 5 condições fundamentais

a. Seja específica ao patrocínio

b. Seja mensurável

c. Seja atingível

d. Seja relevante ao patrocínio

e. Ocorra dentro do prazo do patrocínio.

Finalmente, a decisão de dizer “não” ao patrocínio sempre é muito mais fácil do que a de dizer “sim”. Principalmente nos dias de hoje em que a economia não ajuda e o escrutínio em torno do patrocínio esportivo nunca esteve tão grande. Portanto, é obrigação de quem busca o patrocinador apresentar um projeto profissional, com clara definição de papéis e responsabilidades, com projeção científica do retorno e detalhamento das ativações para que a decisão de fazer o investimento seja lógica e fácil.

 

José Colagrossi

COO da Kantar Sports e Diretor Executivo do IBOPE Repucom

Jose.Colagrossi@ibopemedia.kantar.com

Twitter: @JColagrossiNeto

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